sábado, 30 de maio de 2009

Caminhamos



A gente vai crescendo enquanto o tempo passa e não percebemos que cada momento é indispensável para a existência do momento seguinte.

A gente cresce no corpo e na alma, estabelece a rota e segue o rumo ao sabor dos momentos, ora de prazer ora de dor.

Tudo está organizado numa cadeia de surpresas que ao causar espanto nos incendeia e ao nos decepcionar no motiva a vencer.

Assim caminhamos pela vida quase sempre incoerente, que nos presenteia com obsoletos e nos nega a parte que desejamos presentear.

A gente vai amordaçando o sentido das coisas, deixando as aparências tomarem lugar onde deveríamos ser e só ser.

Mais que as palavras, a atenção é indício de uma dedicação firme e forte que não pretende ser falada.

E a gente se precipita no tempo, concluindo sem consistência sobre o que não se pode afirmar.

Assim caminhamos pela vida.

Ou é ela que caminha sob nossos pés ?

Ele passa por mim

São quase 18 horas de um domingo.
A tarde é fresca, finda o sol, muito ar.
Num canto do quarto o violão sem cordas
Como eu o deixei para não me tocar.

A cama desarrumada e fria dorme.
Uma lâmpada acesa faz brilhar o espelho.
Eu me olho. E me olho bem, as rugas, o desespero.

Sento novamente na beira da cama.
O silêncio grita sufocado.
Na gaveta entreaberta vejo um retrato já amarelado.

Olho ao redor as velhas paredes.
Procuro encontrar algo, quem sabe alguém.
Mas nada vive, nada me fala.
E eu, parece, não vivo também.

No peito sinto dor e agonia.
Gotas de suor molham meu rosto.
Agora o cinza da noite acende no céu.
Nem sinal da minha renascença.
Pela janela aberta vejo a luz do posto.
Está tudo em desordem.

Eu quero gritar, gritar alto, bem alto.
Pela fresta da porta o silêncio foge.
E no mesmo momento o amor aparece.
Corro ao seu encontro mas ele passa por mim.
Perambula pelo quarto, remexe em tudo,
Busca tudo, tudo menos eu.

Na gaveta entreaberta ele encontra o retrato
E como por mágica se vai.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Drummond (19.08.87)

Adeus doce poeta amargo.
De ti não li poema algum
E apesar de ser assim
Agradeço-te por tê-los escrito.

Adeus doce poeta triste.
Muito me inspirei na tua fama,
No teu sucesso que reverencio
Mas confesso nada de ti ter lido.

Nada enquanto existiram pedras
Diante das minhas retinas.
Não que sejas um poeta menor
Mas sim porque sou eu um leitor menor.

Não te dou adeus porque
Tu estás no que pensavas e
Teu pensamento não se foi.

Acredito que tenhas removido
A redundante pedra do teu caminho
E justamente por isso rendo-me a tua coragem
De ser covarde e deixar-se ir,
Imputando à poesia outra longa viuvez.

Soneto desvairado a Mario de Andrade

Hoje eu acordo com lágrimas saltitando,
Os olhos vermelhos ardendo de sono.
Como eu queria, caro Mario, como eu queria
Acordar atrás, há cinqüenta anos!

Ver a luz do querosene em chamas
E desvairado ver a Sé sorrindo.
Ignorar completamente a gasolina
E ver passar incontáveis passarinhos.

E o cavalgar, e o cavalgar garboso
No São Francisco em longas saias metidas
De lindas damas, corpos puros, gostosos,
Pouco barulho, pouca gente bandida.

Meu louco Mário, meu doido, como eu queria
Ter vivido com você estes meus dias
Esquecer o Metrô, perpetuar o sarau!

Como eu queria que hoje você voltasse
E bem do alto da Paulista gritasse
Que este desvario é imortal.

sábado, 16 de maio de 2009

Reflexões

Na poesia do olhar que traduz alegrias
Consolo minha intensa fadiga ao lembrar que posso amar.

Na aurora clara acordo meus dias
Ouvindo a mensagem que irradia um aroma de bem estar.

Na janela escancarada ao sol que ilumina
Num canto da sala a florzinha menina
Encontro a vontade de ter ideal.

Na penumbra deitado num canto da vida
A imagem que vem nem sempre é querida,
As vezes fantoches a nos enganar.

Na ousadia da morte em espreitar escondida
Percebo a maldade abrindo a ferida
Na criança, na flor e nos seres de paz.
E também o monótono paria que mantém viva,
A nobreza inerte, obscura e falida
Se lambuzando de vaidade material.

No valor dos homens de quem a gente duvida,
Há um mistério que a gente acredita
Ser o propósito de ser racional.

No negrume do asfalto que nos é de valia
Os carros perfuram a noite vazia,
Entoando canções que lhes são fatais.

E nas trevas, nos deixam uma amiga
Que só queria clarear a avenida;
A lua: Uma amiga que não vai se apagar.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Chuva

Cai a chuva.

Em gotas que riscam o espaço azul em vertiginosa descida, inundando oceanos.
Pingos crispando a face lisa e suave de lagos prateados.
Farpas que caem esmorecendo a terra, fazendo ruir a conquista de anos de luta,
E que se negam a cair, endurecendo a terra para fazer sucumbir a luta de anos.

Cai a chuva.

Longa, penetrante, virtuosa.
Faz do sólido granito lama cruenta e do árido solo, pastagens verdejantes.
Faz na calma natureza estrondos e relâmpagos, matando a sede dos vivos errantes.

Cai a chuva.

C i c u a
A a h v

C i c u a
A a h v

C i c u a
A a h v
A h
C i c u a
A v

C i C u a
A a h v


O vôo do sonho

Do alto daquele sonho
Eu não podia perceber cá embaixo
A realidade adversa.

Então, como num passe de mágica,
Acordei e caí de forma irremediável.

Não que a queda me assustasse,
Mas garanto não ter ficado tranqüilo
Quando acordado e caído
Vi o sonho planando no horizonte.

Eu estava fugindo dele ou ele fugindo de mim ?

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Apologia

Calam-se os profetas, sucumbem profecias.
Agora os poetas vão sonhar.
Vão encher as noites de euforia
E até as armadilhas vão calar,
Desarmadas pelas brandas poesias
Tecidas sob noites de luar.

Vencem, os bordéis, a última porfia.
E os filhos da noite agora vão ser pais.
Quem vive a natureza reverencia
Os que moldam na beleza a fantasia
E envolvem o ambiente de poesia
Sem recrudescer jamais.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Tarde demais

Sou palhaço na ribalta da vida, disfarçado de espectador.
Pinto meu rosto na esperança inútil do espelho quebrar minha dor.

Ando pelas ruas com passos de executivo mas sou executor
Executei minha própria felicidade, por viver na vaidade.

Ontem não fui nada que eu não quisesse ser.
Hoje sou tudo o que pretendi.
Amanhã serei somente o que me restará pra ser
Ninguém, ninguém além de mim.

Para fazer nada em lugar algum feito um palhaço no picadeiro,
Lá também não serei mais do que mais um
e então na certa eu chorarei.

Mas será tarde, tarde, tarde demais!
pra sobre-morrer a vida
Mas será tarde, tarde, tarde demais,
tarde demais, tarde demais.

Eu quero saber

Eu quero saber se sou feliz.
Eu quero saber se protestar
faz a gente, de vez, largar fuzis.

Eu quero nascer junto do sol
morar nas cachaças que ingerir
e depois o lamento vou cantar, cantar, cantar.

O vento leva a poesia embora
e o canto fica mudo ao perguntar:
Se o homem num tropeço acende a guerra
que paz há de encontrar ?

Eu quero saber se sou daqui.
Eu quero saber se resistir
faz a gente de vez viver feliz.

Eu quero morrer junto do mar
levando a fumaça que tossi
e depois do silêncio vou beber
a paz, a paz, a paz.

Eu quero saber, tenho direito, eu quero saber.