sexta-feira, 26 de junho de 2009

A última viagem

Para Lobsang Rampa - 1978

Vi minha mãe me esperando,
Meu pai me querendo,
Cigarros tragando, me sonhando.

Vi meu corpo crescendo,
Tomando forma, nascendo faminto,
Placenta bebendo e comendo.

Vi-me, minha mãe se rasgando,
Seus pés distanciando-se,
Carne tremendo, pernas sangrando.

Vi meus passos errados, passos acertados,
Erros construídos, acertos destroçados,
Várias vezes perdido e encontrado.

Vi meu rosto sorrindo e chorando,
Por fora dormindo, por dentro acordando,
Cansado de ser, cansado de existir.

Até vi um barco zarpando,
Do eu me levando, subindo mar acima, navegando.

Vi meu braço, lenço branco acenando,
O último vestígio putrefato,
Terminada a última viagem.

Miragem


É tarde, um sol intenso.
Uma tarde imensa, um vento azul.
De cima dos Andes um condor, um carcará.
Vejo plumas alpinistas salpicando o verde.
Uma tarde intensa, um suor imenso.

Víamos pois éramos dois. Dois somente.
Perdi os sentidos nas horas, quebrou-se o silêncio.
Uma tarde de verão, poética, sensualmente erótica.
Nenhuma nitidez, apenas sua tez, alva.

É neste alvor que me escondo, medroso.
O sol me vê, me queima, me acusa.
Sua pele é alva também.
Sinto queimar meu vértice. Um bastão em chamas.
Li um dia sobre pornografia. Os obscenos.

Um sol intenso dentro de mim.
Com garra alcanço a consciência.
Ela é forte, rija, autêntica, minha.
Ela não se afeta. Ela se dilata com o sol.

O pássaro agora está faminto e quente.
Não há sol nos Andes?
Não, não há sol nos Andes. Você mente.

Agora acordo e é domingo.
Talvez o primeiro, talvez o segundo.
Mas é domingo, sempre domingo.

É tarde, um sol intenso.
Concateno as idéias, um vento azul.
Muitas idéias; Andes, condor, carcará.

É tarde, um sol intenso, imenso, sem fim.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Corpo velho


Ah como eu te queria minha
Como antes eu te tinha
E não sabia ter!

Ah como amanheceu depressa
E nada mais me resta
Senão adormecer!

Agora eu passo todo o tempo
agonizando no lamento
De te conhecer.

Não choro, a lágrima é tão pouca,
Nem mesmo a minha boca
Consegue me dizer

Se vivo realmente ou só habito,
Este corpo que já foi bonito
E agora veio envelhecer.

Corpo velho, alma entorpecida,
Que deixa aberta a ferida
Na saudade do meu bem querer.

sábado, 13 de junho de 2009

Marajás da capital


As pedras estão rolando dos barrancos horríveis dos quintais,
Das casas dos fedelhos dos morros das Rocinhas da cidade dos carnavais.

O ouro vai matando nos barrancos horríveis dos quintais das terras do
Garimpo dos coitados dos barbeiros, sapateiros, cozinheiros, etc. e tais .

Não há nada de novo nesta febre de endemia,
Nesta merda de poesia que hoje beira o caos.
Então porque eu vejo as mesmas coisas como antes,
Com barbantes, cordas, algemas e o escambau ?

Os bichos vão morrendo, as crianças se perdendo,
Os adultos se sentindo anormais,
Na terra dos duendes comunistas, cães capitalistas de fantoches ancestrais.

E as pedras vão rolando nos caminhos difíceis da moral,
Enquanto as estrelas vão dizendo o que fazer e defendendo seu status,
Marajás da capital.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Girassol


Um giramundo e uma girafa giram ao acaso.
Gira a girândola em girata pelo mundo.
Um giro lento, monótono, inquietante e mórbido.

Começa a gira e resplandece afoito o generoso gira.
A terra gira e abre o sol em aerossol.
Sorri felina a musa Marissol. É o clima.

Nasce um girassol, vem por cima.
O giramundo vem por cima da girafa.
Gira soldado, como um gato que “desgira” o prato.

Gira o sol de cada dia!
Dia cada de sol, gira!

Vem corrigir a solda que fundia.
Girassol sem ousadia. Girassol sem garbosidade.

Vem que a Marissol já é poesia.
Girassol abra o seu dia.
Vamos fugir à solta pelo jardim.
Girassol é poesia.

Va moscom er umgir as soldea legria.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Aspirações de moço




Em breve assumirei meu trono,
Minha redoma fechada, lacrada e impenetrável,
Meu mundo atrativo, compensador,
Minha aspiração de moço.

Meu corpo acompanha as evoluções da vida,
Da matéria viva, do espaço delimitado,
Das condições atuais, da política transitória
Desta minha aspiração de moço.

Minha mente brilha convencida e alucinada pela cultura.
Agita meu corpo em cópula ininterrupta e confina os saberes
Em clausuras de asfixia, nesta aspiração de moço que eu tenho.

Minha alma acesa como a vida, flutua no meu corpo aceso como fogo,
E no espaço dele, se concentra, ardorosa, amante das minhas aspirações de moço.

Coisa séria, responsável, coisa de homem, sonho de jovem,
Guerrilheiro, lutador, arma em punho, fé no amor, cartas na mesa,
Tudo legal na trincheira, tudo por bem das aspirações de moço.

Quantas formas irregulares nas sombras da noite, quantas noites irregulares nas formas
Das sombras que quebram e defloram a imaginação minha, nestas eloqüentes aspirações de moço.

Quantos canhões exóticos, quantas batalhas cegas, quantas pessoas surdas às minhas canções de moço.

Sim, canções de moço forte, idealista, responsável.
Poemas de moço puro, virgem, imaculado, que cansado não se rende,
Que derrotado não se entrega, que assassinado nunca morre.

Canções de um homem, quase gente, humilde e poeta, apenas poeta de si mesmo.

Aspirações nobres, soberanas, inegavelmente percebidas,
Indiscutivelmente corrompidas e nada mais...

domingo, 7 de junho de 2009

Abismos


Depois que passarem as sombras e puderem ser
Vislumbrados todos os abismos, então estaremos realmente preparados
Para superá-los.

Mas como passarão as sombras aos nossos olhos se
Somos nós mesmos que encobrimos a luz ?

Será que teremos de procurar a luz em outro
Lugar que não diante dos nossos olhos ?

Elementar que sim.

Pois também os abismos se encontram dentro
De nós e não à nossa vista.