quarta-feira, 2 de novembro de 2011


Roupas  


A roupa suja desnuda a fome que assola
O homem que a roupa veste.
A roupa rasgada retrata calada a ventura
Do homem que a farda veste.
E nada pode mudar estas constatações.
Nada pode rasgar por dentro o que por for é roto.

Eu sou assim. Somos um todo.

A roupa limpa veste o homem que nu não passa de
Um homem que vestido pensava que era Deus.
A roupa cobre pelo pudor e descobre pelo amor.
Então é inútil cobrir.
A vida é a roupa da morte que depois de um corte
Já não serve a ninguém.
O corpo é um pedaço de alma que sem ele ainda
É alma e sempre será.

A roupa veste o corpo todo mas não deixa o corpo
De ser peste que contamina a alma.
A roupa que cobre o nu descobre a vaidade
E na morte, na eternidade, mofa, e se descose.
Ofuscar



E a chama se propaga
Cada vez maior.

E a grama embriaga
Cada vez mais.

O que os olhos não mostram,
O que a luz ofusca.

O rei



O rei chegou ontem do seu reino.
Atravessou outros reinos em luta viril contra seus reis.
Venceu combates violentos, perdeu mulheres na cama
E enterrou seu pai.

O rei cavalgou solitário entre florestas,
Colheu violetas dos amores que esqueceu.
Foi torturado e esquartejado,
Juntou seus pedaços e fugiu até chegar aqui.

Bebeu água salobra e comeu, só por comer,
A carne dos que venceu.
Com seu cavalo vermelho cavalgou suado de sol
E se alucinou com o canto da coruja.

O rei voltou vitorioso da batalha,
Deixou seus inimigos e fugiu até chegar aqui.
Trouxe a coroa debaixo do braço,
Cortou-se nas axilas com o aço do seu bisturi.

O rei chegou ontem do seu reino.
Está entre nós, no nosso reino e vai fugir outra vez.