quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Luz

Num primeiro instante o sono foge,
Um ácido sabor à língua sobe
E as dores iniciam sua jornada.

O peito é quente logo a seguir,
O cérebro insiste em resistir
Mas crivado de dores o ventre chora.

Num segundo instante os cabelos suam,
O abdômen constrangido sufoca
E a boca entorta e os lábios coram.

No instante crucial os dedos entrelaçam-se,
Um raio de fogo o orifício estilhaça,
Brota da entranha a vida.

Coisas

Coisas puras, coisas belas, coisas coisas.
Coisas velhas, coisas feias, coisas coisas.

Coisa com pouca coisa.
Coisas com muita coisa.
Mas a coisa mais engraçada é que coisa sempre é coisa.

Coisa que não faz sentido.
Coisas que a gente pensa.
Coisas que podem ser alguma coisa
E coisas que podem ser coisa nenhuma.

Coisas, coisas da terra.
Pequenas coisas reluzentes.
Grande coisa ! Que coisa ! 

Círculo Vicioso

Ócio no lazer,
sem fazer,
nada,
Tudo,
plugado e mudo
mundano e sujo ou
moribundo?
Ócio do fazer,
sem lazer,
tudo,
Nada,
emudecido e amputado,
emputecido ou raivoso,
choro penetrante,
moribundo,
lento.
Leite, derramado,
Ócio do prazer,
Circunscrito ao jazer,
na forma mais pura
de amar.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Casal

João era moço direito,
Maria mulher ideal,
João só falava Maria
Maria no carnaval.

Maria fazia feijão,
João comia Maria,
Maria espremia limão,
João bebia Maria.

João era bom pedreiro,
Maria lavava pra fora,
João era antes lixeiro,
Maria era antes marafona.

Maria fazia filhos,
João fazia Maria,
Maria espremia a barriga,
João espremia Maria.

João era muito honesto,
Maria mulher verdadeira,
João perdeu o emprego,
Maria perdeu a nobreza.

Maria já não comia,
João já não comia Maria,
Maria morreu de anemia,
João foi preso, matou a vadia.

Canto de um jovem poeta

Desejam dos poetas nestes dias
Posições políticas e ousadia
Que consigam delatar todos os males.

Males de uma sociedade vazia,
Inócua e cheia de azias
Que logo sucumbirá.

Eu não quero falar em poesias
O que os homens seriam
Capazes de exterminar.

Quero cantar meu peito aberto,
O amor que trago encoberto
E tenho vontade de desabrochar.

Quero cantar os verdes campos floridos
Que em vários lugares escondidos
Desejam ardentemente homens de muita fé.

E não haverá lâmina que corte,
Nem bala que me cause a morte
Enquanto meu espírito sonhar.

Buraco da noite

Está ficando quente no buraco da noite
E a gente se agasalha com um cobertor de seda.
A cada lágrima derramada uma tristeza,
A cada palavra pronunciada um beijo.

Não devemos caminhar às cegas pois
Enquanto eu acuso você nega
E enquanto me acusas eu me desespero.

Devemos apenas viver em harmonia,
Sem ódio ou tristeza, sem fantasia,
Enquanto a noite não nos traga a solidão.

A morte de olhos abertos e ar nos pulmões.
Aquela donzela encantada que espreita na madrugada
Encarnada na noite veloz.

A gente se perde em palavras no buraco da noite.
Caem os travesseiros e voltam as dores que tanto custaram a cessar.

Precisamos olhar com olhos vivos,
Caminhar com todos os sentidos aguçados de tanto amar.

Se somos um só no buraco da noite,
Devemos manter o equilíbrio sem açoite
Pois de dia o sol finalmente nascerá e nos açoitará.

Bibocas

Oh cara, hipócrita escondido!
Onde pensas que vai assanhado?
Pro campo de luta não vais,
Da saia da mãe não desgrudas bastardo!

És poeta das ruas asfaltadas, das luas povoadas por metais.
Não escondes este teu cheiro embriagado,
Esta tua elegância malcriada, este teu excremento animal.

Oh menino vestindo calças curtas,
Quebrando vidraças nos quintais,
Roubando maços de cigarros,
Furtando peças nos varais!

És soldado das mãos vazias,
Malandro das noites frias,
Criança sem mãe sem pai.
És pequeno aglomerado de carnes,
Prostituta de todos os bares,
Estrofe imposta na canção.

Coroado pelo vício e pelo sono,
Olhos abertos, boca fechada de gás.
Dois pontos entre algumas vírgulas,
Silêncio na guerra, barulho na paz.
Pobre rapaz!

Olhai este campo, este canto, esta luta.
Senti na tua carne o vil metal que alguém,
Puxando um estilete, no teu ventre
O perdeu e ganhou jornais.

Avante

O sangue do teu povo jamais correrá, nunca mais.
O povo cansou de ouvir promessas, cansou de ser escravo.
Na flecha do teu arco a justiça virá, eu sei que virá.

Segue confiante pela estrada que bem entender.
Ninguém tem o direito de dizer o que você tem que fazer para ser você.

Avante companheiro!  Não ouça mais promessas.
A noite é tão incerta e vão tentar te fazer da vida esquecer.

Grilhões serão quebrados, o amor será lembrado,
O réu será mudado por você.