terça-feira, 28 de abril de 2009

Ipiranga com São João

Inspirado vou descendo a São João desde o Banespa,
Curvo-me à São Bento, reverencio o Líbero Badaró,
Respiro fumaça na Praça do Correio e lamento estar só.

Continuo São João que agora subo,
Corpo ereto, mente lavada, alma que flutua,
Corto Conselheiro Crispiniano rumo a não sei onde.

Mas continuo São João, Largo do Paissandu afora,
Respiração fica ofegante, paro no churrasco grego que adoro
e vejo já, carros e ônibus pulsando na esquina mais famosa.

Agora é Ipiranga, um cruzamento em cruz de malta,
Controlo meus pés, afinal é chegada a hora e o suor me salta
Testa abaixo com um prazer incontável.

Estou no vértice de São Paulo, parado, autômato, estátua.
Vejo no horizonte a Praça da República e um povo apressado
ganhando terreno a todo custo no embalo de mais um dia.

Mais um dia feliz na metrópole dos sonhos noturnos
e soturnos de uma única vez. E minha tez transpirando
engulo o vento querendo copular com as estrelas.

Ah, Ipiranga amiga velha de guerras e paz !
Ah, São João, eu te amo demais !

Mulher, campo de paz!

Que pelo simples fato de ser mulher já é melhor.
Que pela maturidade do sentimento já é mulher.
Que pela luta inglória contra o nada já é fiel.

Perdoe-nos pelo preconceito arraigado,
Perdoe-nos pela falsidade imatura,
Perdoe-nos por não sermos melhores.

Mulher, tu és o futuro da raça humana,
o porto seguro das mentes insanas,
que masculinamente te insultam,
que machistamente te executam,
ao sabor de um ciúme qualquer.

Perdoe-nos pelas fraquezas,
Perdoe-nos pelas tristezas,
Perdoe-nos por roubar-te a paz.
Perdoe-nos por não sermos também mulher

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Madrugada Paulistana


Foi a madrugada, a lua se esconde.
Dentro de mim só ilusão.
Por sobre os telhados o sereno
Deitou lágrimas que agora se vão.

A brisa da manhã é fria.
São Paulo acorda agitada.
Por sobre os leitos das ruas
Caminham nuas almas geladas.

A noite morreu sozinha.
Exceto pelos porteiros das boates,
Pelos bombeiros, padeiros,
Eiros e eiros ela morreu só.

Os pássaros biônicos cantam
Harmonias de alento.
Procuram alegrar o momento
Em que todos têm cacos de vidro nos pés.

Cacos nos pés, cascos nas patas.
As buzinas despertam o sono.
Sob as cobertas copulam – zap-zap – autômatos
Porcas e parafusos estéreis, eunucos.

O dia vem alucinante como um caos.
Pernas varicosas caminham rumo ao ganha-pão.
Os óxidos, bióxidos e monóxidos estão no ar.
Alvorada paulistana. Ganha não.

Réquiem para o mar

O mar num gesto delicado e simples
Lambeu da areia fina o orvalho da noite
Que desceu e virou mar.

E assim se deu até que raiou na noite fria
Um rebento de sol que ali jazia e a secou.

E mais nenhuma gota fez-se mar,
E mais nenhum mar fez-se orvalho,
E a vida se extirpou.

Santo

Vem, ouça o canto enquanto espanto,
Cada canto no teu canto, cada canto pra cantar.

Ergue este teu corpo, teu encanto,
Cada pranto, no teu canto, cada pranto pra chorar.

Rompa com a angústia do teu peito,
Vê se larga este teu leito e vem pro campo pra lutar.

Não, não diga não só por espanto,
Vê se foge do teu canto e vem pro conto pra ficar.

Não, não diga sim só por encanto,
Vê se abre este teu canto e põe pra for a este teu mal.

Já passou a hora de acalanto,
Este teu puro corpo santo vai pro campo pra sangrar.

A carne é viúva

A viúva parte, o bolo fica e as pessoas que comemoram na casa ao lado a tristeza também se vão.
As mágoas fartas na mesa branca da viúva triste, são a pura imagem de uma curta vida.

As pessoas cantam em torno da morte e a viúva fica largada à sua própria sorte.

As mundanas amam, toda carne é pura, todo homem é santo, mas só a viúva é perdida.

Ela tece a teia e nunca habita. Ela tece a meia mas sempre hesita.
As pessoas fogem, deixam filhos pobres que a viúva cria.
Ela parte o bolo, limpa a teia e fica.
As pessoas contam; A mundana é fria.

Sua voz é fraca, o olhar é fixo, a poesia é sorte, a boêmia é morte, a tirania é vida.

A viúva carne sofre a própria chaga que não tem mais cura, pois a carne fede e o fedor procria.

E agora é hora da carne. Por ela tudo se perde e se acha em todos os cantos.
Ela, a bela musa quente numa cama fria, repousa inerte e quase nua a espera louca de um bem comum.

Ela é rica, forte e quente. Forte, rica e quente. Ela é quente.

Nós somos seu alvo, seu objeto, seu cordeiro manso de chifres grandes, seu dinheiro fácil num trabalho árduo, seu escravo forte no caos do espírito, seu domínio fácil numa guerra santa.

Eu sou homem, ser da terra, ser da fome, ser da sede, ser da vida, que devora a carne e por ela envolvido, represento a morte da viúva vida.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Um caminho entre o verde

Perambulando, campos, terras e matagais
Encontrando e perdendo, ilusões por que sonhar,
Na busca desorientada de um sonho a mais,
Entre o céu e a terra, uma nau vem navegar.

Um atalho percorrido passo a passo
Na certeza de apressar o chegar,
Vejo, imaculada, uma flor solitária
Dando seu viço e sua formosura ao olhar.

Um caminho entre o verde, natureza viva,
Eu percorro, solene, ora no rumo ora a deriva,
Mas continuo, incontinente, a buscar

Algo que em mim já viveu em tempos distantes,
E que minha armadura de cavaleiro errante,
Me impediu de sentir e apreciar.

O próprio caminho que sempre foi o destino,
Melhor que as paragens, melhor que o cais.
Um caminho entre o verde das minhas aventuras
Que me conduz à feliz maturidade da paz.


Vitória

Nas veias sangue fervente,
nos olhos o brilho tangente,
na boca o grito animal.

Nos braços o fuzil regente,
nas sombras o inimigo presente,
na mente o medo infernal.

Nas pernas o vigor imposto,
nos jornais a imagem do rosto,
e no peito uma medalha, um mal.

Em casa sete filhos da luta,
na rua sua mulher é puta,
na lápide : Foi herói, é imortal.

Vazios

Eu tenho vários vazios
Um pra cada lucidez,
E tenho tantos medos
Quantos preciso pra me defender.

Eu tenho muitas sensações
Uma pra cada sensatez,
E tenho medo, muito medo outra vez.

De vez em quando enlouqueço,
Ouço vozes, rasgo a roupa e subo na mesa.

Eu tenho vários vazios,
Um pra cada estupidez,
E tenho tantos medos
Quantos nem sei dizer.

Eu não tenho muita luz
Embora há quem diga que sou sol,
E tenho frio, sinto frio e dou dó.

Eu tenho vários vazios,
Cheios de vontade, vontade, vontade...

terça-feira, 14 de abril de 2009

Profissão; doador

Homenagem ao dia dos professores

Cansado, rosto extenuado, corpo doído, segue o operário
Sem horário pra terminar.
Depois que passam as horas do ofício, seguem-se as horas do
Sacrifício que insistem em não acabar.

Mas caminha solene, varando as noites, penetrando os dias,
No rumo da sua porfia, sem espaço pra recuar.
Dele dependem muitas mentes vazias, tantas que nem sabe
Mais das folias, nem dos céus, nem das cantorias em noite
De fino luar.

Espera que passem os meses velozes, ignorando seus algozes,
Pra defender seu pensar.
Multiplica o saber, reproduz sua angústia,
Eleva a moral, perdoa e perdoa se é este o grande mal.

No final goza o prazer de ver que fez saber, e que este saber
Um dia vai fazer saber também.

Entrega sua alma, seus sorrisos, sua paciência em troca da
Ciência de que vazias as mentes não são mais.

E continua doando eternamente!
Continua entregando, nosso querido lente,
O que ninguém mais pode entregar.

Parte de si, sem qualquer pesar.

Estado de paz

Armistício.
Pausa e solução.
Evolução racional.
Tempo de paz.

Armistício.
Acenderam a paz
De dentro da guerra.
Ainda se faz.

Armistício.
Invoco meu Deus
Devoto que sou
Do seu amor.

Armistício.
Pretexto eficaz.
Inócuo pesar,
Constrangimento.

Armistício.
Utópico sonho em estado de paz.

Ando inconformado

Ando inconformado com a cegueira do mundo
desses homens vagabundos que nos fazem as leis.
Criam suas próprias armadilhas
e depois incitam suas matilhas
contra os seus próprios reis.
Erguem vigorosos monumentos de aço
e apertam o nó do laço até nos sufocar.

Oprimem pois opressão é ordem.
Aniquilam pois protestar é desordem.
Oprimem pois opressão é ordem, ordem.

Ando inconformado com as agruras da vida
e nem mesmo ungüento temos pras feridas
e nem mesmo o tempo pode nos recompensar.
Somos heróis mortos e ressuscitados,
cabisbaixos e condecorados.
Somos heróis mortos e ressuscitados,
perfeitos idiotas sem mãe nem pai.